domingo, 28 de novembro de 2021

Peixe

Sou tão conectado aos sentidos
que provavelmente num despertar pós morte
me perguntarei onde estarão meus ouvidos,
meus olhos, minhas mãos, meu nariz, minha boca.

E então as folhas desse lugar 
sem verdes ou monocromáticos me dirão, 
num sussurro sem vozes, como as videiras caminham 
e se anexam sem olhos
seguindo linhas de luz e imagem com precisão.
E um Sol frio, frio, vai tocar como um beija-flor na primavera,
meu corpo translúcido e sossegado 
numa fotossíntese cósmica e verdadeira.

Esses olhos de pérola e ônix que ficam vagando 
por detrás das cortinas dos sentidos não devem ser de se ver.
São pertencimentos aquáticos. 
Um feixe feito peixe, que cega quem adentra deste mar.

Vivo, eu mesmo fico na margem e me abeiro,
Sentir é ter na barca e veleiro
a rede e a isca que te permite pescar.









quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Janela

Nas noites mais amenas tomo o silêncio no corpo 
a passear as mãos por livros de muitas páginas no escuro,
distribuídos pelo chão enquanto descanso o rosto 
sobre o canto dos travesseiros.

Como uma expiração desses aromas
Passear as mãos por livros de muitas páginas no escuro:
Folheio as páginas nas sombras,
e imagino o que teria escrito em cada uma que conjuro.

Quais delas minhas mãos vão absorvendo.
E das laudas emergirem paisagens
Passear as mãos por livros de muitas páginas no escuro
e algumas palavras se destacarem das outras 
e saber quais delas formam suas bagagens.

Tocar com as dúvidas cravadas nas pontas dos dedos
as respostas escondidas no vão das folhas.
Passear as mãos por livros de muitas páginas no escuro
é sentir a agudez das extremidades 
que quase cortam minha pele sutil e frágil.

Nas noites mais amenas tomo o silêncio no corpo 
-A passear as mãos por livros de muitas páginas no escuro.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Continuidade

Minhas vísceras já estão alinhadas
em desenhos e costuras.
As fiz em tramas e também arquiteturas
todas muito bem empilhadas.

Retirei-as de dentro como um fio de lã
de uma ovelha solitária e faminta.
Da ânsia e âmago se faz essa tinta
que pinta o corpo da alma vã.

Sem entranhas sou recém vazio
Casca de cigarra presa ao tronco
da música cantada e levada pelo rio.

Volta ou outra engulo-as de novo
e o que construí até aqui me desfaço
Edifica-se a galinha por ser antes um ovo.

Tinta

Abri um livro na palavra Canção.
Mas eu só via a letra C e seu formato de meia lua.
Na fresta do ar este livro silencioso flutua
a música, como a lua, pousada em minha mão.


Retrato

Nada é pronto. O fruto antes precisa ser flor e antes semente. A música são antes apenas notas singulares. O que me chama ainda atenção são ...